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MONEY QUE É GOOD…

Os investimentos públicos são essenciais para o avanço nas pesquisas. No entanto, o Brasil enfrenta grandes gargalos orçamentários - e o Nordeste é um dos mais atingidos.

 

… nóis num have, como diz a música. Ou have um pouco.


Segundo dados do Relatório de Ciências da UNESCO (2021), o Brasil investiu o equivalente a 1,26% do total de seu Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento, estando abaixo da média mundial (1,79%). Este número se insere num contexto mais amplo de expressivos e sucessivos cortes no orçamento público destinado ao setor. Entre 2015 e 2017, por exemplo, os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento - P&D no Brasil tiveram uma queda de 16%. O documento conclui que, caso a situação permaneça, muitos dos ganhos obtidos pela ciência brasileira nas últimas décadas estarão em xeque.


A despeito do cenário preocupante, o ano de 2023 pareceu trazer ares de otimismo para os trabalhadores da seara acadêmica. A começar pelo reajuste, por parte do governo federal, das bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), congeladas há dez anos. No Ceará, por sua vez, o governo estadual sancionou a atualização dos valores das bolsas concedidas pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), impactando mais de 5 mil cientistas.


“A gente faz milagres com o pouco que tem. Imagine se a gente tivesse a tecnologia de fora”, afirma Betina Tomaz, fisioterapeuta (ver tópico “Made in Ceará”). “Com o novo governo, estamos retomando uma esperança de valorização de investimentos na pesquisa, tecnologia e inovação. Anteriormente, não tinha como se pensar nisso”.

Em relação ao período Bolsonaro, marcado por reiterados contingenciamentos de gastos e discursos negacionistas frente à pandemia de COVID-19, a postura assumida pelo governo federal sob a nova gestão Lula parece indicar uma maior atenção para áreas até então negligenciadas. “A produção científica é feita por grandes guerreiros. A gente passou por um momento de apagão de dados por conta do governo anterior e também pela falta de financiamento. Apesar de tudo isso, as pesquisas avançaram”, afirma Ana Gardennya Linard, professora e pesquisadora.

Embora as notícias relativas às novas políticas públicas na área de ciência e tecnologia, tanto a nível federal quanto estadual, sejam recebidas de bom grado, isso não impede um juízo crítico sobre o panorama geral. “É um valor satisfatório? Ainda não. A gente com certeza vai procurar por melhorias, mas já foi um avanço”, comenta Betina Tomaz sobre os reajustes das bolsas. “A pesquisa científica no Brasil é quase um trabalho voluntariado, a gente brinca. A pessoa não tem condição de sobreviver só sendo cientista. Gostaríamos? Gostaríamos. Mas não tem como”.

As dificuldades no financiamento científico, para além dos valores repassados aos pesquisadores, também dizem respeito à forma de distribuição do dinheiro, o que leva a situações de concentração e desigualdade. “Quem dera que todo mundo que entrasse num programa de pós-graduação tivesse uma bolsa e pudesse optar se quer ou não [uma bolsa]”, afirma Thatiany Nascimento, jornalista e pesquisadora. Segundo constata, certas áreas de pesquisa e regiões geográficas são preteridas em relação a outras, como seriam os casos das Ciências Sociais Aplicadas e do Nordeste, respectivamente.

A jornalista, cuja renda provém inteiramente de sua atuação no mercado de trabalho, amplia a discussão introduzindo outro ponto. A subsistência dos cientistas vai muito além da concessão de bolsas. Para ela, é importante incluir em pauta discussões sobre como assegurar aos pesquisadores os mesmos direitos garantidos aos demais trabalhadores, como férias, folgas remuneradas e 13º salário. “O pesquisador que adoece, a pesquisadora que tem filhos, como eles ficam?”, questiona. “É uma vivência muito atormentada por essa falta de garantias, de direitos básicos”.

Diante de orçamentos públicos exíguos, uma possível solução para garantir maiores fluxos e constância de investimentos em ciência e tecnologia seria a celebração de parcerias com o setor privado. Isso permitiria, por exemplo, a compra de equipamentos e a capacitação de alunos. Carlos Paier, professor e pesquisador, destaca que, em países desenvolvidos, as universidades têm mais liberdade para firmar parcerias com empresas, visando ao desenvolvimento colaborativo de produtos. A inovação advinda dos centros acadêmicos comumente possui maior valor agregado, de modo que, ao ser comercializada, gera mais lucro para o setor privado e, por sua vez, mais impostos para os cofres públicos, que são devolvidos para a sociedade mediante a prestação de serviços. É uma situação de ganhos mútuos.

A despeito dos benefícios evidentes, Paier destaca que um grande entrave para a popularização desse modelo de cooperação é a mentalidade do empresariado, formatada para a busca de retorno financeiros imediatos. “Não se acredita que a ciência pode gerar lucro, então não se investe. Essa é a situação do Ceará e do Brasil como um todo”.

O Relatório de Ciências da UNESCO (2021) destaca a tendência de, no Brasil, as empresas demonstrarem pouca disposição a colaborar com universidades e institutos de pesquisa públicos. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2020 indicam uma queda acentuada nos gastos do setor privado com pesquisa, acompanhada igualmente pela queda no depósito de patentes pelo setor industrial. O documento assinala que, muitas vezes, as empresas preferem importar pacotes de tecnologias do que desenvolver as suas próprias.

Nesse cenário, o setor de inovação chega num impasse. “A universidade produz o conhecimento, não o produto. Então chega um ponto em que precisa transferir esse conhecimento para o setor produtivo”, afirma Paier. O problema, contudo, não se trata somente da cessão de recursos. É necessário que haja uma coordenação desses investimentos, a fim de garantir uma distribuição equânime, no sentido de reduzir desigualdades. “Quando falo de investimento, não é só dar o dinheiro na mão do pesquisador. É planejamento estratégico, criar institutos de pesquisa para aproveitar as potencialidades regionais”.


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